"No dia em que a flor de lótus desabrochou
A minha mente vagava, e eu não a percebi.
Minha cesta estava vazia e a flor ficou esquecida.
Somente agora e novamente, uma tristeza caiu sobre mim.
Acordei do meu sonho sentindo o doce rastro
De um perfume no vento sul.
Essa vaga doçura fez o meu coração doer de saudade.
Pareceu-me ser o sopro ardente no verão, procurando completar-se.
Eu não sabia então que a flor estava tão perto de mim
Que ela era minha, e que essa perfeita doçura
Tinha desabrochado no fundo do meu coração. "

Rabindranath Tagore








quinta-feira, 31 de maio de 2012






‎"Que eu possa respeitar opiniões diferentes da minha. Que eu possa me desculpar antes do ódio. 
Que eu possa escrever cartas de amor de repente. Que eu possa viajar para adorar a distância.
 Que eu possa voltar para dizer o que não tive coragem. 
Que eu pense em meu amor ao atravessar a rua. Que eu pense na rua ao atravessar o amor. 
Que eu dê conselhos sem condenar. Que eu possa tomar banho de cachoeira. 
Que eu seja a vontade de rir. Que eu possa chorar ao assistir filmes.
 Que eu não seduza para confundir. Que eu seduza para iluminar.
 Que eu não sacrifique a confiança pela covardia. 
Que eu tenha dúvidas, melhor do que certezas e falir com elas.
 Que eu faça amizades falando do tempo. Que eu possa amar mais sem contar as horas.
 Que eu use somente as palavras que tenham sentido. 
Que eu prove a comida nas panelas. 
Que transforme a raiva em vontade de me entender.
 Que eu possa soltar os vaga-lumes que prendi em potes. 
Que eu me lembre de ser feliz "



Fabrício Carpinejar




Medo







"Você tem medo de se apaixonar. Medo de sofrer o que não está acostumada. Medo de se conhecer e esquecer outra vez. Medo de sacrificar a amizade. Medo de perder a vontade de trabalhar, de aguardar que alguma coisa mude de repente, de alterar o trajeto para apressar encontros. Medo se o telefone toca, se o telefone não toca. Medo da curiosidade, de ouvir o nome dele em qualquer conversa. Medo de inventar desculpa para se ver livre do medo. Medo de se sentir observada em excesso, de descobrir que a nudez ainda é pouca perto de um olhar insistente. Não suportar ser olhada com esmero e devoção. Nem os anjos, nem Deus agüentam uma reza por mais de duas horas. Medo de ser engolida como se fosse líquido, de ser beijada como se fosse líquen, de ser tragada como se fosse leve. 


Você tem medo de se apaixonar por si mesma logo agora que tinha desistido de sua vida. Medo de enfrentar a infância, o seio que criou para aquecer as mãos quando criança, medo de ser a última a vir para a mesa, a última a voltar da rua, a última a chorar. Você tem medo de se apaixonar e não prever o que pode sumir, o que pode desaparecer. Medo de se roubar para dar a ele, de ser roubada e pedir de volta. Medo de que ele seja um canalha, medo de que seja um poeta, medo de que seja amoroso, medo de que seja um pilantra, incerta do que realmente quer, talvez todos em um único homem, todos um pouco por dia. Medo do imprevisível que foi planejado. Medo de que ele morda os lábios e prove o seu sangue. Você tem medo de oferecer o lado mais fraco do corpo. O corpo mais lado da fraqueza. Medo de que ele seja o homem certo na hora errada, a hora certa para o homem errado. Medo de se ultrapassar e se esperar por anos, até que você antes disso e você depois disso possam se coincidir novamente.


 Medo de largar o tédio, afinal você e o tédio enfim se entendiam. Medo de que ele inspire a violência da posse, a violência do egoísmo, que não queira repartir ele com mais ninguém, nem com seu passado. Medo de que não queira se repartir com mais ninguém, além dele. Medo de que ele seja melhor do que suas respostas, pior do que as suas dúvidas. Medo de que ele não seja vulgar para escorraçar mas deliciosamente rude para chamar, que ele se vire para não dormir, que ele se acorde ao escutar sua voz. Medo de ser sugada como se fosse pólen, soprada como se fosse brasa, recolhida como se fosse paz. Medo de ser destruída, aniquilada, devastada e não reclamar da beleza das ruínas.


 Medo de ser antecipada e ficar sem ter o que dizer. Medo de não ser interessante o suficiente para prender sua atenção. Medo da independência dele, de sua algazarra, de sua facilidade em fazer amigas. Medo de que ele não precise de você. Medo de ser uma brincadeira dele quando fala sério ou que banque o sério quando faz uma brincadeira. Medo do cheiro dos travesseiros. Medo do cheiro das roupas. Medo do cheiro nos cabelos. Medo de não respirar sem recuar. Medo de que o medo de entrar no medo seja maior do que o medo de sair do medo. Medo de não ser convincente na cama, persuasiva no silêncio, carente no fôlego. Medo de que a alegria seja apreensão, de que o contentamento seja ansiedade. Medo de não soltar as pernas das pernas dele. 


Medo de soltar as pernas das pernas dele. Medo de convidá-lo a entrar, medo de deixá-lo ir. Medo da vergonha que vem junto da sinceridade. Medo da perfeição que não interessa. Medo de machucar, ferir, agredir para não ser machucada, ferida, agredida. Medo de estragar a felicidade por não merecê-la. Medo de não mastigar a felicidade por respeito. Medo de passar pela felicidade sem reconhecê-la. Medo do cansaço de parecer inteligente quando não há o que opinar. Medo de interromper o que recém iniciou, de começar o que terminou. Medo de faltar as aulas e mentir como foram. Medo do aniversário sem ele por perto, dos bares e das baladas sem ele por perto, do convívio sem alguém para se mostrar. Medo de enlouquecer sozinha. Não há nada mais triste do que enlouquecer sozinha. Você tem medo de já estar apaixonada."



Fabrício Carpinejar



terça-feira, 29 de maio de 2012

A Lenda da Flor de Lótus





Certo dia, à margem de um tranqüilo lago solitário, a cuja margem se erguiam frondosas árvores com perfumosas flores de mil cores, e coalhadas de ninhos onde aves canoras chilreavam, encontraram-se quatro elementos irmãos: o fogo, o ar, a água e a terra.

-Quanto tempo sem nos vermos em nossa nudez primitiva - disse o fogo cheio de entusiasmo, como é de sua natureza. É verdade - disse o ar. - É um destino bem curioso o nosso. À custa de tanto nos prestarmos para construir formas e mais formas, tornamo-nos escravos de nossa obra e perdemos nossa liberdade. - Não te queixes - disse a água -, pois estamos obedecendo à Lei, e é um Divino Prazer servir à Criação. Por outro lado, não perdemos nossa liberdade; tu corres de um lado para outro, à tua vontade; o irmão fogo, entra e sai por toda parte servindo a vida e a morte. Eu faço o mesmo. - Em todo o caso, sou eu quem deveria me queixar - disse a terra - pois estou sempre imóvel, e mesmo sem minha vontade, dou voltas e mais voltas, sem descansar no mesmo espaço. - Não entristeçais minha felicidade ao ver-nos - tornou a dizer o fogo - com discussões supérfluas.

É melhor festejarmos estes momentos em que nos encontrarmos fora da forma. Regozijemo-nos à sombra destas árvores e à margem deste lago formado pela nossa união. Todos o aplaudiram e se entregaram ao mais feliz companheirismo. Cada um contou o que havia feito durante sua longa ausência, as maravilhas que tinham construído e destruído. Cada um se orgulhou de se haver prestado para que a Vida se manifestasse através de formas sempre mais belas e mais perfeitas. E mais se regozijaram, pensando na multidão de vezes que se uniram fragmentariamente para o seu trabalho.

 Em meio de tão grande alegria, existia uma nuvem: o homem. Ah! como ele era ingrato. Haviam-no construído com seus mais perfeitos e puros materiais, e o homem abusava deles, perdendo-os. Tiveram desejo de retirar sua cooperação e privá-lo de realizar suas experiências no plano físico. Porém a nuvem dissipou-se e a alegria voltou a reinar entre os quatro irmãos. Aproximando-se o momento de se separarem, pensaram em deixar uma recordação que perpetuasse através das idades a felicidade de seu encontro. Resolveram criar alguma coisa especial que, composta de fragmentos de cada um deles harmonicamente combinados, fosse também a expressão de suas diferenças e independência, e servisse de símbolo e exemplo para o homem. 

Houve muitos projetos que foram abandonados por serem incompletos e insuficientes. Por fim, refletindo-se no lago, os quatro disseram: - E se construíssemos uma planta cujas raízes estivessem no fundo do lago, a haste na água e as folhas e flores fora dela? 
- A idéia pareceu digna de experiência. Eu porei as melhores forças de minhas entranhas - disse a terra - e alimentarei suas raízes. - Eu porei as melhores linfas de meus seios - disse a água - e farei crescer sua haste. - Eu porei minhas melhores brisas - disse o ar - e tonificarei a planta. - Eu porei todo o meu calor - disse o fogo - para dar às suas corolas as mais formosas cores. Dito e feito. Os quatro irmãos começaram a sua obra. Fibra sobre fibra foram construídas as raízes, a haste, as folhas e as flores. O sol abençoou-a e a planta deu entrada na flora regional, saudada como rainha. 

Quando os quatro elementos se separaram, a Flor de Lótus brilhava no lago em sua beleza imaculada, e servia para o homem como símbolo da pureza e perfeição humana. Consultaram-se os astros, e foi fixada a data de 8 de maio - quando a Terra está sob a influência da Constelação de Taurus, símbolo do Poder Criador - para a comemoração que desde épocas remotas se tem perpetuado através das idades. Foi espalhada esta comemoração por todos os países do Ocidente, e, em 1948, o dia 8 de Maio se tomou também o "Dia da Paz".





(Arte - Wendy Ng)


‎"Que suas lembranças não sejam o que faltou dizer."




Fabrício Carpinejar





segunda-feira, 28 de maio de 2012





"Um dia, perguntei para o psiquiatra: sou bipolar?
 Ele me disse: de bipolar você não tem nada. Você é sincera e tem sentimentos intensos.
E me explicou a origem da palavra sincera, que vem do latim e significa “sem cera”.
Antigamente, carpinteiros e escultores usavam cera para disfarçar os defeitinhos de esculturas e móveis de madeira.
 Então, eles lixavam, passavam verniz e tudo ficava aparentemente perfeito e em ordem. 
O aspecto das peças era magnífico. Com o passar do tempo, do frio, calor e uso,
 a cera ia se desmanchando e os defeitos iam ganhando vida. 
Sinceridade é “sem cera”, ou seja, sem máscaras, sem retoques, sem querer ser o que não é. 
Achei bonita a explicação dele."


Clarissa Corrêa



domingo, 27 de maio de 2012






"Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados...

Tem os que partem da pedra ao vidro e deixam tudo partido...

e tem, ainda bem,
os que deixam a vaga impressão de ter ficado."



Alice Ruiz
 


 





"A maldade, sacanagem ou fraqueza escancarada é fácil de afastar.
Mas o que fazer com as pessoas que te dão colo, carinho e poesia?"


Tati Bernardi



sexta-feira, 25 de maio de 2012





Eu gosto de olhos que sorriem, de gestos que se desculpam, 
de toques que sabem conversar e de silêncios que se declaram.






Machado de Assis





quinta-feira, 24 de maio de 2012



"Me provoque. 
Me desafie.
 Me tire do sério.
 Me tire do tédio.
Vire meu mundo do avesso!"


Clarice Lispector


Nosso Medo Mais Profundo




"Nosso medo mais profundo não é o de não sermos bons o suficiente. O nosso medo 
mais profundo é o de sermos poderosos além das medidas. É a nossa luz, e não a nossa 
escuridão, o que mais tememos. Por isso nos perguntamos: Quem somos para nos 
considerarmos brilhantes, maravilhosos, talentosos, fabulosos? 
Nós somos crianças de Deus. A nossa falsa humildade não vai servir o mundo. 
Não há nada de iluminado nesse encolher-se para que outros não se sintam inseguros à nossa volta. 
Estamos todos aqui para irradiar, como fazem as crianças e, à medida que deixamos a nossa luz brilhar, 
inconscientemente damos aos outros permissão para que brilhem também.
 À medida que nos libertamos do nosso próprio medo, a nossa presença, 
automaticamente, liberta os outros para que façam o mesmo.
A segurança só para alguns é, de facto, a insegurança para todos."


Marianne Williamson, em 1992 no livro  "A Return to Love”


quarta-feira, 23 de maio de 2012




" A vida não permite ensaios...

Jogue-se."


Erick Tozzo

segunda-feira, 21 de maio de 2012





"É difícil para os indecisos.
É assustador para os medrosos.
Avassalador para os apaixonados!
Mas, os vencedores no amor são os fortes.
Os que sabem o que querem e querem o que têm!
Sonhar um sonho a dois, e nunca desistir da busca de ser feliz, é para poucos!!"



Cecília Meireles



Breath Me by Sia on Grooveshark


sábado, 19 de maio de 2012





"Você é aquilo que ninguém vê. 
Uma coleção de histórias, estórias, memórias, 
dores, delícias, pecados, bondades, tragédias e sucessos, 
sentimentos e pensamentos. 
Se definir é se limitar. 
Você é um eterno parênteses em aberto, 
enquanto sua eternidade durar." 


Machado de Assis


sexta-feira, 18 de maio de 2012

Amor Verdadeiro ( True Love)




'Assim como a terra que carrega o nome África ,
Amor está em minha mente.
É para todos não importa de onde você é,
Amor, ele cruza todas as barreiras.
Como o sentimento de todas as estações mudando,
O amor é uma memória
E nestes últimos dias, quando a iniquidade surpreende,
O amor verdadeiro fala.

Eu preciso de um amor verdadeiro
Você sabe o que você significa pra mim
Demonstra como eu vivo e como eu respiro
No vale das sombras, eu sei que você vai estar
Eu  defendo, eu domino a morte
E eu domino o inimigo (inveja)


O que o amor é realmente se somente afeta, um aspecto de vida?'

True Love - S.O.J.A.


Para o menino que procura uma luz pra beber...
Encontrei uma música que gosto muito,
 que por sinal não é seu estilo musical, 
por isso: Sinta a música!
Como você disse, mesmo não gostando
toca a alma.
Beijo!




"Às vezes me fecho para um balanço e vejo o que tenho estocado dentro de mim. Têm coisas que precisam ser descartadas com urgência; outras entram em liquidação, pois podem ser aproveitadas, embora tenham perdido o valor primordial. E existem também os lançamentos: as estruturas novas, as ideias postas em ação, as idealizações que foram concretizadas. 

Por isso, nas sextas-feiras eu atualizo as minhas listas, escrevo no topo minhas prioridades e me felicito pelas prósperas e próximas realizações pessoais.
Conviver comigo, é este investimento na minha própria existência. 

E a minha criatividade, veio me acrescentar formas de tentar ser uma pessoa cada vez melhor. 
Por nada, por tudo. Porque é bom estar de bem comigo.
(Porque é preciso conhecer muito de si para entender o mundo!)"


Marla de Queiroz




Breath Of Life by Florence + The Machine on Grooveshark


quinta-feira, 17 de maio de 2012





"Eu estava cansada de ser coragem por fora, e tristeza eterna por dentro, e se a única forma de me libertar por inteira era amando, então que eu fosse completamente feita de amor para todo o sempre – enquanto durar. "




Trecho do romance “Sol em minha Noite”







"Mesmo o mais corajoso de nós poucas vezes tem coragem para o que propriamente sabe..."


(Friedrich Nietzsche, in: Crepúsculo dos ídolos)


quarta-feira, 16 de maio de 2012






Não sou mais a mesma,
eu não mudei apenas o meu cenário
e os meus personagens...
Eu mudei a mim,
mudei meus hábitos e comportamentos.
Decidi seguir adiante, me lançar no desconhecido.

Nada e ninguém me pertencem,
mas muitos me interessam,
e nisso encontrei minha libertação.


Marla de Queiroz




Never Let Me Go by Florence and the Machine on Grooveshark






Sabe quando você precisa mudar algo urgente e não consegue mais adiar?
 Pois é.


Josi Puchalski





terça-feira, 15 de maio de 2012




''Em um desses momentos onde a cabeça despedaça as idéias eu percebo que preciso de paz. Quero vida e um punhado a mais de espontaneidade. Talvez seja leveza a palavra que salta do meu liquidificador, com pingos de suavidade. As sensações me bastam. O afeto não cabe dentro de definições e não deveria ser explicado ou esmagado por perguntas e respostas. Sim, agora eu sei. Não quero mais perguntar onde anda o amor. Não vou mais responder sobre a quantidade ou qualidade do meu. Se for para ser, será sem medidas. Sentimentos ditos não fervem. Para saber sobre o amor não é preciso destroçá-lo. É necessário viver na pele. Com pele. Com os olhos. Com saliva, sorrisos e respiração ofegante. São os atos que fazem as maiores declarações.Não quero infinito, quero intenso e divertido. Se assim for, será verdadeiro. E o que foi verdade um dia, mesmo que acabe, nunca morre.''


Josi Puchalski


domingo, 13 de maio de 2012






Por que Deus permite que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga quando sopra o vento
e chuva desaba, veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento. 

Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça, é eternidade.
Por que Deus se lembra - mistério profundo - de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei:
Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, 
será pequenino feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade



Mesmo assim elas estarão para sempre conosco, aqui dentro.
Para confortar o coração de alguém que teve sua mãe levada por Deus.
Alguém especial.


sábado, 12 de maio de 2012

Para minha mãe...





"Minha mãe, pra mim, é sol mesmo quando chove. É chuva, com direito a cheiro de terra molhada do quintal lá de casa, quando tudo fica árido. Silêncio capaz de amansar ruídos que eu não sei como fazer dormir. Voz que me ajuda a acordar esperanças quando elas ficam com preguiça de levantar. Uma presença que sabe acender o meu ânimo quando o breu se esparrama. Primavera para o meu olhar, não importa qual seja a minha estação. Um perfume inigualável. Ela e as coisas todas do mundo dela. Quando chega, traz lembranças minhas que apenas ela reflete e apenas eu consigo ver. Uma espécie de poema que o sentimento lê em voz alta somente para dentro.

Minha mãe foi a primeira música que tocou no meu rádio. A primeira paisagem. A primeira pessoa que me falou sobre milagres e, sem palavra alguma, me contou sobre Deus. Uma história de amor. Tanto faz se, às vezes, desconcertado. Tanto faz se, às vezes, atrapalhado pela mistura das coisas que são dela e das coisas que são minhas. Tanto faz se aprendendo a amar junto comigo nesses bancos da escola. Tem vez que a gente demora para resolver alguns exercícios mais complicados, mas a amizade que nos liga e construímos, página a página, sempre nos orienta na busca das respostas. Minha mãe é maciez pra minha alma quando a vida se faz áspera e quando não. Um lugar de conforto, onde eu posso ser. Amor, quando as minhas folhas caem e quando floresço. A mesa sempre posta, até quando sinto fome apenas de lembrar quem sou.

Estou convencida de que ninguém me conhece melhor do que ela. Sente a emoção da vez, antes da minha voz. Sente quando omito alguma coisa, por mais sofisticados que sejam os meus disfarces. Sente a atmosfera da minhas palavras, antes que eu consiga ou resolva dizê-las. Conhece mais variações de sorrisos, silêncios e olhares meus e suas respectivas mensagens do que suponho mostrar. Ela não me conhece assim porque é versada em psicologia. Minha mãe é versada em mim, desde quando eu ainda nem era eu direito.

Parece ser especialista em previsões climáticas. Chove, quando não lembro do chapéu e ela diz pra eu não esquecer. Faz um frio absurdo, de repente, quando não levo o casaco e ela diz pra eu levar. Geralmente costuma doer quando alerta que vou me machucar e eu não ligo. Ah, sim, um bocado de vezes também exagera, erra na medida, lê seu oráculo de cabeça pra baixo e com lente de aumento, seja lá por falha intuitiva ou conveniência de seus receios maternos. Mas a verdade é que mãe parece mesmo ter um olhar diferente. Capaz de ver coisas que quaisquer outros olhos do mundo não sabem enxergar. Nem os nossos.

Minha mãe cantou para me fazer adormecer. Ensinou-me, com toda a paciência, a rezar para o meu anjo da guarda antes de eu dormir e de levantar da cama. Ensinou-me a respeitar o espaço das pessoas, a ser educada com gente de toda idade, a ser cuidadosa com as plantas e os bichos, a não me apropriar de nada que não me pertencesse. De mãos dadas, seguíamos pelas ruas e seguir de mãos dadas com ela pelas ruas era uma espécie de festa que acontecia toda manhã. Encapava meus cadernos. Perguntava o que havia acontecido na escola quando percebia que eu havia chorado, mas não contava para ela. De vez em quando, me surpreendia com meus lanches preferidos enquanto eu assistia "Sessão da Tarde": bolo "Ana Maria", mingau de cremogema, bolinhos de chuva.

Minha mãe costumava cantarolar, lá na cozinha, enquanto preparava o almoço. Nunca soube se era também por isso que a comida ficava tão gostosa e tinha um cheiro que eu não encontro em nenhum outro lugar. Costurava até altas horas da noite, fazia tricô, jogos de ráfia, enxoval para bebê, para ajudar o meu pai com as despesas, eu ficava por perto, ouvindo música, escrevendo meus versos. No início da adolescência, desconcertada, me falou, do jeito dela, sobre novidades que não sabia como me explicar. E quando eu sentia cólicas terríveis, lá estava ela, com seu chá de erva-cidreira e as toalhinhas quentes que passava a ferro para pôr sobre a minha barriga. Às vezes é preciso que o mundo dê algumas voltas e a gente amadureça um pouco para ser capaz de leituras mais amorosas sobre um bocado de coisas. Leituras com braços e coração mais abertos.

Nos meus tempos de conga azul, cadernos com decalque, canetinhas silvapen, merendeira com lanche Mirabel, lá pelos sete anos de idade, no início daquilo que chamavam de “primário”, eu escrevia frases curtas que me pareciam enormes, recém-alfabetizada que era. Vocabulário restrito, para falar sobre a minha mãe, escrevi várias vezes tudo o que eu podia: “Minha mãe é bonita”. Atualmente, tenho muito mais do que sete anos e, ao longo das décadas, aprendi a escrever frases mais elaboradas, mas esta continua sendo perfeita. Para os meus olhos, as belezas que ela tem são ainda maiores, bem maiores, agora, olhando daqui.' "




Ana Jácomo



Parabéns a todas as mães.
Ser mãe é presente...é privilégio de Deus.



sexta-feira, 11 de maio de 2012




"Desapareceu. Assim, como as noites desaparecem em determinada hora depois de uma madrugada de um azul anil intenso. Sem se despedir, sem dar chance de que alguém se despedisse, ele foi embora com suas botas de combate, com seu caderninho e um lápis de cor que usava pra enfeitar sonhos. Talvez até tenha pensado em ficar, talvez quisesse ficar. Não era o orgulho, não era o medo de sucumbir. Era medo de ser de alguém, de pertencer a um corpo que não fosse o seu, de sentir coisas que iam além do seu controle, além do seu entendimento. O medo era de deixar de ser tão incrível por ter sido sempre intocável, tão bonito por nunca ser descoberto por ninguém, tão inspirador por ser mistério. Talvez, ficar o pusesse de cara com o chão. De cara com o espelho. Ficar, talvez o fizesse entender e descobrir que ele era humano. E apesar de gastar tanta inspiração, era bem menor do que suas palavras. Que suas mãos habilidosas eram somente duas mãos habilidosas de um poeta comum, que nada mais é do que um homem de verdade, por trás das palavras e dos papéis. Que suas pernas, apesar da capacidade incrível de locomoção silenciosa e ligeira, eram duas pernas de um homem comum. Talvez ele fosse entender que o que o cobre, além das tuas próprias histórias e fantasias, era uma pele, tão sensível como uma pétala, tão vulnerável ao frio. E que aquilo dentro do peito fazendo barulho, era um coração batendo, fraco como o coração de um homem de verdade. Intenso como o coração de um homem apaixonado de verdade. Imprevisível como um coração de um homem de verdade.
Mas preferiu sair de cena. Retirar-se com a beleza de um pôr-do-sol para nunca deixar de ser poesia. Com lágrimas pateticamente ensaiadas para nunca deixar de ser incrível. Fez parecer que saía levando consigo a coragem maior de todos os tempos, para não se admitir descoberto, para não se sentir estupidamente revelado.
Mal sabia ele, que embora todo aquele sonho inventado vestisse aquela moça de forma tão perfeita. Que embora aquela doçura toda, feita de balés e palavras combinadas embalasse tão bem as noites dela, o que ela esperava mesmo, era o momento exato para amar um homem comum de verdade."




Camila Heloíse