"No dia em que a flor de lótus desabrochou
A minha mente vagava, e eu não a percebi.
Minha cesta estava vazia e a flor ficou esquecida.
Somente agora e novamente, uma tristeza caiu sobre mim.
Acordei do meu sonho sentindo o doce rastro
De um perfume no vento sul.
Essa vaga doçura fez o meu coração doer de saudade.
Pareceu-me ser o sopro ardente no verão, procurando completar-se.
Eu não sabia então que a flor estava tão perto de mim
Que ela era minha, e que essa perfeita doçura
Tinha desabrochado no fundo do meu coração. "

Rabindranath Tagore








sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A Terceira Pessoa

Por Verônica Heiss


Ela não se esquece de deixar claro o quanto é fácil passar por cima de mim. Basta que as luzes se apaguem, o álcool faça efeito, um mínimo de espaço e ela revela sua existência ridícula. Fala demais, essa menina que não tem o que dizer. Ri demais e acha graça de tudo. É muito agradável, e você quer tê-la, mas tem algo de agressivo, algo que te faz sentir mal. Por que ela não fala o nome inteiro? Por que ela some e sai andando entre as pessoas cada vez que você se distrai? Por que falar de astrologia se ninguém acredita mesmo? Por que perder o mistério, se ninguém quer realmente saber sobre sua ideologia barata de gente sem futuro? Sou só um amontoado de ideias perdidas que ela revela sem me pedir licença e depois fica achando bonita minha contradição quando amanhece.

Ela é ótima na arte de acumular pessoas, no sentido da palavra. Não conquista, não agrada, acumula. Chega sozinha, vai embora sozinha, mas gasta um repertório inteiro de palavras e se despede de todos os semi-conhecidos da noite. Alguém vê através disso? Talvez essa busca seja o único motivo pra eu ainda deixar acontecer. Tinha me acostumado a ser cenário e quando ganho personagem, acho pedir demais escolher o que interpretar. Que venha qualquer coisa fútil alegrar meu figurino, que seja brilhante, que seja inesquecível, mesmo que seja feio. Essa menina é mesmo um sopro de qualquer coisa doce e enjoativa com o pior dos venenos, fazendo com que minha presença seja ao mesmo tempo marcante, confusa, passageira e duvidosa. É como conhecer todo mundo e não conhecer ninguém. Pior: é como se todo mundo me conhecesse e ninguém realmente quisesse saber de mim. Só dessa louca que sai por aí sendo tudo ao mesmo tempo e nada, pra finalizar.

Ninguém desconfia do que resta pela manhã e é melhor assim. Uma espécie de proteção, como se essa superficialidade fosse só um ensaio do que um dia vou ter coragem de moldar. E a única dúvida que resta não é qual das duas eu realmente sou, mas qual de nós é realmente importante. E quem vai me restar se eu escolher uma só para viver.


Um comentário:

Urbana disse...

Perfeito!!
Sou nova nesse mundo de blogs, adoro o que você escreve!
Bjos!