"No dia em que a flor de lótus desabrochou
A minha mente vagava, e eu não a percebi.
Minha cesta estava vazia e a flor ficou esquecida.
Somente agora e novamente, uma tristeza caiu sobre mim.
Acordei do meu sonho sentindo o doce rastro
De um perfume no vento sul.
Essa vaga doçura fez o meu coração doer de saudade.
Pareceu-me ser o sopro ardente no verão, procurando completar-se.
Eu não sabia então que a flor estava tão perto de mim
Que ela era minha, e que essa perfeita doçura
Tinha desabrochado no fundo do meu coração. "

Rabindranath Tagore








segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Dançando com o Espantalho


"Tenho dito ou insinuado aqui que amadurecer deveria ser visto como algo positivo e que envelhecimento não é revogação da individualidade. Um dos motivos de nossas frustrações, homens e mulheres, é vivermos numa cultura que idolatra a juventude e endeusa a forma física além de qualquer sensatez.

Se maturidade é fruto da mocidade e velhice é resultado da maturidade, viver é ir tecendo naturalmente a trama da existência. Processo tão enganosamente trivial para aquele que o vive, tão singular para quem o observa. Tão insignificante no contexto da história humana. 

Seguindo esse fluxo, vestidos com nossas circunstâncias, carregando a bagagem que nos foi dada e a que fomos adquirindo, navegamos. Escolhemos algo do roteiro, desenhamos alguma coisa nas margens, acompanhados por presenças positivas mas também pelo monstro da nossa dificuldade de viver bem, sempre pronto a liquidar conosco.

Não nos damos sempre conta dele: faz parte da nossa cultura, nossa educação, da mídia, da personalidade. Está nas revistas, na mente dos que nos rodeiam e dos que amamos, está dentro de nós. Cresce e prolifera na medida em que não temos o costume de lidar com ele.

O inimigo é variado, tem muitas cabeças. Somos muitos, dizia o demônio que possuíra um infeliz na literatura cristã. Todas elas nos controlam e inibem: a imposição e aceitação de modelos inatingíveis; a não- apreciação de si; a submissão a preconceitos, a ausência de valores pessoais; a frivolidade nos relacionamentos afetivos mais variados. O conseqüente temor do processo que em lugar de evolução e crescimento nos assusta como aniquilamento.

Precisamos superar a ideia de que estamos meramente correndo para o nosso fim, num processo de deterioração e apagamento. Esse é o nosso fantasma mais destrutivo, pois se alimenta com nosso terror da morte, e cresce desmesuradamente porque nosso vazio interior lhe concede um espaço extraordinário.

Se quisermos, mais que sobreviver, crescer enquanto humanos e pensantes, esse relógio sobre a mesa-de-cabeceira ou no pulso - especialmente o relógio em nossa mente - deve ser apenas aquilo que é: instrumento para medir e coordenar as atividades cotidianas. Para marcar as fases com seus encantos e limitações, sua riqueza e suas privações, mas de modo geral significando crescimento, não mutilação.

A cada transição executamos nossos rituais, perdemos alguns bens e ganhamos outros, alguns duramente conquistados. Falo dos bens de dentro. Esses que nem o banco fechando nem país falindo caducam; esses que nem o amado morrendo a gente perde; esses que na dor nos iluminam, na alegria nos ajudam a curtir mais, e no tédio - quando tudo parece tão sem graça agitam correntes submersas de energia mesmo se a superfície parece morta.


Quando pensamos que tudo acabou, que nunca mais teremos alegria ou emoção, tudo isso que estava guardado e é bom emerge em plena vigência e força. É desses tesouros que eu falo: eles podem vencer o que nos paralisa. Hão de superar essa cultura do aqui e agora, do aproveitar, do adquirir, do estar na moda, do estar por cima, do estar-se agitando e curtindo sem parar."





Lya Luft - Perdas & Ganhos









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